Se pudesse definir em uma palavra, seria sublime. Ou talvez genial. Fico na dúvida, pois não me vem à cabeça uma palavra que exprima as duas coisas. Adjetivos não faltam, mas nenhum deles expressaria por completo o que foi Roger Waters no Morumbi. Nem mesmo um livro expressaria tudo. Uma resenha então, seria um ultraje, um atrevimento. Mas eu me atrevo a tentar explicar o que foi, e como foi essa experiência inigualável.
Os portões do estádio abririam às cinco da tarde e o show começaria por volta das 9 da noite. Chegamos ao local às 7 da noite, 50 reais mais pobres, depois de 2 km de caminhada e 1 hora de trânsito. O Morumbi era um completo caos. Cambistas, comerciantes ambulantes, policiais, pequenos maloqueiros, velhacos roqueiros e outros fãs dividiam o espaço. Por entre a multidão, caminhamos em direção ao portão 6, setor laranja. Obviamente, era o setor mais distante de onde estávamos, e a fila quase completava 2 km de extensão.
Depois de alguns minutos na fila, entramos no estádio, munidos de guloseimas e bebidas para esperarmos o início do show. Fomos surpreendidos pelo segurança, que alertou que as guloseimas estavam liberadas para consumo dentro do local. As bebidas, por sua vez, estavam proibidas. Na verdade, a água estava liberada, mas as garrafas e copos não. Lembrei-me que estava no Brasil, e conformado, entrei com um litro de água flutuando ao meu lado. Dentro do estádio, o copo d’água aumentava um real a cada meia hora, começando em 2 reais.
Resumindo: Puta organização.
Ao sentar na arquibancada, olhei para o palco e vi uma cena ordinária. Uma garrafa gigante de Black Label, um copo gigante de uísque, um cinzeiro gigante recheado de bitucas gigantes, e um rádio (gigante, é claro). Enquanto isso, o estádio enchia e eu podia invejar os indivíduos mais providos se alocando na área VIP, a aproximadamente 3 metros do palco.
"Nossa, tem uma fumacinha saindo do cinzeiro. Como será que eles fazem aqu... Puta que pariu!" Um braço gigante apareceu no palco, pegou um cigarro e o copo de uísque. Não era possível, não podia ser real. E não era. Era um enorme telão, com a melhor definição que eu já pude sonhar um dia.
Alguns rocks depois, apagaram-se as luzes e a música ambiente parou. O estádio se transformou num breu eufórico, à espera do homem. Às 21:05, o estádio explodiu com In the Flesh e seus martelos marchantes. Em seguida, Mother acalmou os ânimos e convidou o público a cantar junto. Depois, Set the controls to the heart of the sun, com seu clima misterioso trouxe diversas fotos dos primórdios do Floyd, com Syd Barret na formação.
Na sequência, Roger aplica uma boa dose de adrenalina ao executar Shine on. Essa música em especial foi foda, ainda mais com os timbres que David Kilminster tirava daquela telecaster creme. E o Morumbi ecoava com os gritos de "Shine on you crazy diamond!". Depois, surpreendendo a todos, "Have a cigar", e novamente o diabo das guitarras deu um show à parte, enquanto Roger gritava do fundo da alma "Come in here dear boy, have a cigar, you're gonna go far...".
A mão gigante surgiu no palco novamente e começou a trocar as rádios, denunciando o início de Wish you were here. E logo depois do solo, as pessoas se arrepiavam ao cantarem juntas "How I wish, how I wish you were here. We're just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year". Em seguida, Roger tocou algumas do Final Cut e da sua carreira solo, que francamente, não conheço muito bem. Mas Southampton dock, The Fletcher memorial home e Perfect sense foram executadas com a maestria de sempre do velho Roger.
Depois disso, o frontman anunciou que tocariam uma música nova. E que música, diga-se de passagem. Leaving Beirut, apesar de desconhecida, fez o estádio tremer. Frases como "Oh George! Oh George!That Texas education must have fucked you up when you were very small" revelaram a enorme crítica a Bush, e pra completar, o pequeno Andy Fairweather Low dilacerou sua guitarra num solo inacreditável.
Pra não perder o clima, Roger surpreendeu novamente tocando Sheep. Ninguém imaginava, e a coisa se tornou mais inacreditável quando o enorme porco rosa começou a flutuar no céu, repleto de frases como "Hey, Killers, leave the kids alone" e "All we need is education", além de "Bush, o Brasil Não está à venda!" escrito no ânus do 'suíno róseo. E com o porco viajando pelo céu paulistano, a primeira parte do show se encerrou.
Na segunda parte, 15 minutos depois, sabíamos que o Dark Side of The Moon seria executado por completo. A lua no telão crescia exponencialmente, e quando estava tomando todo o telão, podíamos ouvir as batidas de um coração, que logo foram tomadas pelo clima ameno de Breathe.
Em seguida, os sintetizadores lisérgicos de On the run faziam a contagem regressiva para a entrada de Time. E os relógios marcaram a hora exata do início da música. Pra mim, Time foi um dos grandes destaques. A música foi perfeita, e a maneira como o solo preencheu cada espaço do Morumbi foi fantástica. Kilminster foi foda. Muito Foda.
Pra não cair o nível, The Great Gig in The Sky simplesmente quebrou tudo. A cada grito da vocalista, um arrepio subia na espinha. Genial. E depois a caixa registradora chamou Money. Pra quem gosta de guitarra, foi excelente. David Kilminster, Snowy White e Andy Fairweather Low dividiram os solos, um melhor que o outro, mas novamente o pequeno Fairweather foi o melhor.
Na sequência, Us and Them me surpreendeu. A música já é ótima normalmente, mas da maneira que foi executada, foi um dos picos do show. O coral da banda, somado aos efeitos do telão e de iluminação hipnotizaram o público, literalmente. E Any colour you like trouxe mais uma boa pitada lisérgica pra galera, com teclados inebriantes (como sempre) e solos de guitarra não menos loucos.
Quando Brain Damage começou, o prisma já começava a pairar no cume do palco, e quando Eclipse começou, o show começava a anunciar o seu fim. Da maneira emocionante que foi executada, a música poderia ter fechado o show, mas todos nós sabíamos e estávamos àvidos por um bis.
E o Bis veio, com as crianças do projeto Guri, cantando junto com todo o Morumbi "Hey, teacher, leave the kids alone!". Logo em seguida, ninguém imaginava novamente que Roger tocaria Vera. E tocou, trazendo na sequência Bring the Boys Back Home. Meu deus, aquilo foi impressionante, foi a representação perfeita do triunfo e da glória. Inacreditável. E com o fim da música, escutamos aquele "Hello" que já esperávamos. Comfortably Numb veio pra fechar com chave de ouro a apresentação. Mas trouxe junto uma tristeza, um sentimento saudoso. O show de 2002 foi superado, sem sombra de dúvidas.
Roger enrolou-se na bandeira brasileira e se despediu. E as pessoas, pouco a pouco saiam do transe e começavam a andar em direção à rua. Tudo voltou ao normal, a mesma bagunça da entrada. Mas cada um saia dali diferente, novo, revigorado. E com a esperança que Roger volte daqui mais 5 anos, com um espetáculo ainda mais avassalador, e quem sabe, com David, Richard e Nick.
Abraço!
Sugestão de playlist
Roger Waters - Leaving Beirut
Queens of the Stone Age - First it Giveth
NOFX - Glass War
Mutantes - Deixe entrar um pouco d'água no quintal
Eagles - Hotel California